31 julho 2009

Para quem com medo de 2012 !

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Fonte: CUB

E o dia do juízo não veio


 

Na noite de 22 de outubro de 1844, em Filadélfia, um cavalheiro de meia idade, trajando uma túnica branca, se lançou serenamente da janela do seu quarto, no terceiro andar de um edifício, procurando voar para o Céu. Na cidade de Worcester, Estado de Massachussets, um cidadão respeitável, enfiando pelos ombros um par de asas de peru, trepou no galho mais alto de uma árvore e procurou levantar vôo. Na cidade de Nova Iorque, um jovem galgou a armação de uma ponte muito alta e tentou alçar-se ao Paraíso. Todos acabaram com os ossos machucados, é claro!

Das centenas de milhares de indivíduos que esperavam ansiosamente ser levados para o Céu naquela noite memorável, que para eles marcava o fim do mundo, muitos tomaram toda sorte de providências para que à viagem não faltasse o devido conforto. Uns meteram-se em nos cestos de roupa suja, outros na banheira, para viajarem a seu gosto. Uma mocinha de Chicago um tanto apegada às coisas do mundo encheu uma mala com enxoval completo e novo, e amarrou-se a esse tesouro para entrarem juntos pelo portão de pérolas do Paraíso.

No norte, como no sul e na região central dos EUA, os discípulos do profeta William Miller, trajados de mantos brancos, reuniram-se naquela noite, em outeiros e cemitérios, para entoar hinos religiosos e rezar, à espera do primeiro toque da trombeta do Arcanjo Gabriel, anunciador do fim do mundo. Só os fiéis escapariam. Foi uma noite de fervor religioso jamais igualado na história da América.

Não se tratava de um punhado de fanáticos, mas de movimento religioso que, no curto espaço de uma década, reunira um milhão de adeptos. Orçando a população total do país, em 1840, mais ou menos em dezessete milhões, os discípulos do profeta se podiam gabar de representar proporção importante.

Estudante assíduo da Bíblia trabalhara Miller vinte e cinco anos em sua profecia. Baseava-se ele na parte da Bíblia atribuída a Daniel e outros profetas, e no simbolismo obscuro da visão de Nabucodonosor, do Velho Testamento. Em 1831 anunciou que estava perto o Juízo Final. “Estai preparados e observai os sinais celestes”, era seu grito de batalha.

O movimento ganhou logo popularidade. Cresceu de fervor, quando pela madrugada do dia 13 de novembro de 1833, enormes bolas de fogo atravessaram a abóbada celeste, explodindo e esparzindo faíscas, quais enormes fogos de artifício, enquanto milhares de estrelas caíam do céu. Para os fiéis essa manifestação celeste pressagiava o dies irae.

O profeta não assinalou data específica para o Grande Dia, a não ser que viria entre março de 1843 e março de 1844. Por essa época já setecentos seguidores se haviam alistado sob sua bandeira.

O cometa que rasgou os céus em 1843 deu aos adeptos de Miller mais uma confirmação de sua profecia.

Quando escoou o último dia do período designado sem nada acontecer, os discípulos do profeta ficaram deveras desapontados. Miller, porém, assegurou ter tido uma visão e escreveu:”vejo uma glória no sétimo mês”, mês de outubro no calendário judaico. “Cristo virá e nos abençoará a todos.”

Os fiéis começaram a rematar seus negócios. Eminente comerciante de Filadélfia pôs um cartaz em sua vitrina onde se lia: “fechada em honra do Rei dos Reis”. Na cidade de Nova Iorque o dono de uma sapataria abriu as portas da loja, colocando todo o estoque à disposição do público. Na aldeia de Meredith, New Hampshire, o número de devotos que tudo abandonavam assumiu tais proporções que os juízes recomendaram a nomeação de curadores dos seus bens, afim de que as famílias não ficassem reduzidas à miséria Muita mobília foi destruída. Em certas regiões as frutas e cereais foram abandonados nos campos a apodrecer. De que valia fazer as colheitas que brevemente iriam desaparecer em chamas?

Finalmente, Miller anunciou que vinte e três de outubro seria o Grande Dia.

À medida que este se aproximava, acorriam multidões às cerimônias quase contínuas que se realizavam nas igrejas “milleristas”. Os milhares que não conseguiam entrar permaneciam do dado lê fora, orando e cantando.

Verificou-se grande número de suicídios; os casos de alucinação foram freqüentes. Num pequeno hospício em Vermont deram entrada vinte e cinco discípulos de Miller, que ficaram com o juízo perturbado pela grande tensão da expectativa. No estado da Pensilvânia um fazendeiro matou a família e suicidou-se após, simplesmente porque simplesmente um dos filhos mais velhos ousara zombar do profeta. No Estado de Massachussets um dos discípulos assassinou a esposa pela mesma razão.

Os jornais uniram suas vozes às do clero regular, para desacreditar essa loucura. Mas os milleristas puseram anúncio rogando aos pecadores que fizessem penitências enquanto ainda era tempo.

Chegou finalmente o Grande Dia. O céu estava sobrecarregado de nuvens escuras, o que os milleristas observaram com satisfação, pois parecia ocasião propícia para o fim do mundo.

Já pela tarde de 22 de outubro, das cidades de Boston, Filadélfia, Nova Iorque e outros centros saíam rumo aos campos multidões de fiéis trajando túnicas brancas com que ascenderiam ao céu.

Ao cair da noite, o nervosismo tornou-se mais intenso. Por toda a parte milhares de rostos estavam voltados para o alto. Pessoas respeitáveis, tomadas de frenesi religioso caminhavam de “quatro pés”, levando outros nas costas, para imitar a entrada do Salvador em Jerusalém, montado sobre um jumento. Outros celebravam a cerimônia do lava-pés e muitos executavam extravagantes danças religiosas.

As crianças corriam de um lado para outro, os olhos esbugalhados, tomadas de pavor, à espera da chama que deveria consumir o mundo. No dia seguinte, dois indivíduos foram encontrados mortos num campo.

Ao amanhecer do dia seguinte, sem que aparecesse qualquer sinal no céu, a luz fanática que brilhara a noite toda nos olhos dos fiéis converteu-se em expressão de decepção.

Nasceu, afinal, o Sol, e o mundo não fora consumido pelas chamas nem troara a trombeta do Arcanjo Gabriel...

Com as túnicas brancas, úmidas e sujas, os adeptos de Miller regressaram desolados aos seus lares e seus negócios, isto é, os que ainda por sorte não os tinham perdido. Os incrédulos pelos caminhos afora os acabrunhavam de zombarias e insultos, que eles de tão desanimados nem sequer ouviam.

Ficara desacreditado o falso profeta. Velho, doente e cansado, este chorava em casa ao ver passar o Grande Dia. Homem sincero, a fé que depositava na sua interpretação e na sua profecia fora tão firme quanto a que tinha em Deus. Repetidas vezes tentou refazer os cálculos a ver se descobria onde havia sido o erro.

Depois de trabalhar anos seguidos, veio a falecer, ainda cismando com o dies irae.


Nota:

Este movimento deu origem à seita evangélica dos Adventistas do Sétimo Dia. Por este simples fato, vê-se que se deu o fenômeno da dissonância cognitiva tal como descrito por Leon Festinger em “A Teoria da Dissonância Cognitiva”. Quando uma crença grupal é contrariada, o grupo de crentes re-elabora a crença para que ela se mantenha viva, embora com outra roupagem.

Muita gente não irá gostar deste artigo, mas a descrição dos acontecimentos é primorosa e de fonte bastante insuspeita. Não é coisa de ateu, nem comunista, muito pelo contrário.

Outro aspecto importante é o de como há impulsos masoquistas dentro do ser humano, não sabemos se “naturais” ou elaborados pelos sistemas de crença que existem no mundo e que - pelo menos nas culturas ocidentais- tendem a verificar (considera vil) o ser humano, por natureza, portanto digno de uma destruição dolorosa total, mas com a qual deve se “sentir” feliz. Portanto, essas profecias são carregadas de anelos sado masoquistas.

A propósito, recomendamos:

1.    Festinger, Leon – Riecken H- Schachter S, When Prophecy Fails, Minneapolis; Univ. of Minnesota Press, 1956
2.    Festinger, Leon, Teoria da Dissonância Cognitiva, Rio de Janeiro, Zahar Editores, trad. Eduardo Almeida, Rio de Janeiro, 19758 (Especialmente Capítulo 10: Apoio Social-Dados sobre Fenômeno de Massa; comentário sobre o episódio millerista e o ufo-culto dos Guardiões de Mrs. Keech)
3.    Bittencourt, Estevão Tavares, Crenças, religiões, igrejas e seitas: quem são- São Paulo, Mensageiro de Santo Antônio, 2003- p.42-45
4.    Valée, Jacques-The Invisible College (The Psychic Solution) Frogmore, St. Albans,UK,Panther Books,1977-p.68-73,76,93,95,21
5.    Fromm, Erich, O Medo à Liberdade, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978 especialmente o Capítulo 5.

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